A Europa cabe numa cafetaria

Eu entrei num café para apenas passar o tempo de domingo e vi um continente inteiro lá dentro. Uma seara de pessoas. Um amontoado de diferenças. Miúdos e miúdas, jovens com suas preocupações virtuais, adultos e suas conversas de futebol e política e por aí além - e na televisão o primeiro ministro, em tom grave, a falar o que quer com a mudança da cúpula do governo. Os idosos e idosas em seu mundo particular. Um a sair atónito da casa de banho com um aspecto de que não teriam tantas testemunhas à sua escapadela para as necessidades. Uma idosa bem rapidinha com a vontade de um café curto sem açúcar. Tudo com uma menina, cara menina, voz alta, à moda do Porto, e com uma trinca nos dentes que dava-lhe o tom peculiar a tomar e apontar os pedidos. 

Eu, entre fotos e letras em meu pequeno caderno, na mesa bem no meio da Babel em língua portuguesa só observada. Sentia-me europeu. Sou europeu. Não saberia sentar em tapetes ou estar a perambular para lá e para cá sem que houvesse ao menos um pastel de natas, uma meia de leite, os Lusíadas e a casa de um euro bem próximos. Viver esta Europa que cabe numa tasca, num café com esplanada, mesmo com um vento daqueles que espirrar os ossos, é como viver verdadeiramente. Mesmo com senhoras encrespadas e prontas aos maldizeres, mas lá está, educação não é para todos. 

Entre gracejos e piadas vai-me a empregada de mesa e diz que com ela a flor não se regou e ficou feia. O moço ao lado diz-lhe que não que é uma flor muito bonita. Todos parecem concordar. Mas isto não a convence, ela quer mais é despachar-se e aproveitar o Domingo. Lá já toca o sino das três. Um e outro despedem-se e saem ao mercado. Outros dali vão nada fazer na praça logo em frente, bem entre pombos e gaivotas e placas de restauro da Câmara Municipal. A vida assim corre bem. E isto é Europa. A Europa que cruzou os mares e foi parar nas Américas, na África, nas Índias. Nada ficou-lhe imune. O jeito de lamúria, de insucesso, misturado com francesinhas e bifanas, a quem goste. 

O bom mesmo é ir de passeio a passeio e saber: bem haja! Alentejo todo sabe. Douro e Trás-os-Montes ou mesmo o velho reino, agora província de Leão, pelas bandas da Galiza. Todos sabem para além dos Pirenéus e até os gélidos ventos da Rússia, apesar de sua estranheza. A Europa é isto. É este pormenor mesmo que sai de casa e para no passeio a apontar onde começa o buraco e onde este acaba. Mas lá está, aquilo é o gás natural que será posto. E convenhamos bem deve ser. Ainda posso ler a Tabacaria e andar lado a lado do Tejo. Ainda posso ver a Ria de Aveiro ou os Canais de Veneza. Ainda posso ver o muro das lamentações. Isto é Europa. Balduíno IV, D. João I de boa memória, D. Ramiro II e a lenda de Gaia, os Reis Católicos, D. Filipe II, o belo, ou mesmo Bruxelas da União Europeia ou António Guterres da ONU, mesmo a ONU. Vem tudo da Europa, já dizia Edmund Husserl. Mas eu quero mesmo é voltar ao café da Praça 2 e lá conviver de novo com o mundo europeu em cada pessoa. Vai ver por isto o Fernando tinha tantas. Porto revisited. Lá vamos nós todos aos Aliados, porque portista que é portista de lá não sai quando se ganha... 


Eustáquio Silva 
Porto 28 de Maio de 2018.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O apelido "Silva" tem origem Nobre

Expulsão dos Judeus da Península Ibérica

O que era ser Judeu na Idade Média?