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A mostrar mensagens de abril, 2018

Acaba Abril, o mais cruel dos meses ...

Acaba Abril, o mais cruel dos meses Acaba o torpor, a chuva, o tempo, o aroma amargo Acaba as cinzas, o luto, a neve gélida, tépida madrugada Acaba tudo que consistia em sua má fadada desarmonia Acaba cedo, acaba com um menos dias, menoscaba Acaba a incerteza, vem o Maio das flores, folhas, cantos Acaba a não beleza, finda a hibernal paisagem Paragem do encanto e começo da melancolia Acaba Abril, o mais infeliz dos meses Acaba insano, acaba profano, acaba sempre Finda o quartel soturno do ano, deixa as suas sementes Acaba e sofre por tanto a sua própria agonia inóspita Acaba e acaba cedo, ainda há tempo de alguma alegria Mesmo que esta seja uma demora esperada Acaba e torpemente arrasta consigo a nostalgia Acaba como a pira chorosa, acaba mórbida, a sua morada Abre-se o mês de santas e santos Acaba-se Abril, o mais ímpio dos meses E com ele vão juntas as mágoas e as feridas Vão o exílio de almas, as taças de vinho tinto, as serestas Acaba Abril e acaba a página...

Quando escutei Joy Division

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Quatro rapazes de Manchester. Um vocalista epiléptico que, aquando de sua entrada na banda, andava com uma jaqueta preta escrita 'HATE'. Uma banda que resolveu chamar-se Warsaw por conta de uma letra de David Bowie no álbum "Low" (primeiro da aclamada "trilogia de Berlim") e depois de um concerto dos Sex Pistols em 1977na cinzenta cidade industrial devastada pela guerra e pela falta de vida. Estes todos são ingredientes secundários e pouco importantes quando aquilo que importa realmente é aquilo que estes quatro jovens produziam de som.  Eu ouvi este som "dark", angustiado e minimalista pela primeira vez com "Transmission", ao vivo na TV inglesa de 1979. O baixo era de uma linha forte. A bateria tocada com um jeito peculiar, com sons antes não ouvidos, modelo industrial. A guitarra parecia um instrumento minimalista e com sequência de acordes quase como para entrar em transe. Depois disto vinha a voz. Uma voz forte, um tom grave, m...

João Baptista

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Este homem de semblante sereno e prestes a dizer as suas últimas palavras é um dos mais conhecidos anónimos da história. João Baptista, primo de Jesus Cristo, não só foi uma voz a clamar no deserto, mas como uma pira acesa de fé e ascese, zelo de crença.  Se calhar poucos dediquem-lhe mais do que algumas passagens breves no começo dos Evangelhos. Muitos nem sequer sabem quem tenha sido a não ser "aquele santo" a comemorar-se com festejos e fogueiras ao meio do ano. A Cidade do Porto, por longos séculos, começava seu ano administrativo na data de nascimento deste santo católico, embora lembrado em outras religiões. A sua morte, por desejo caprichoso da enteada do rei judeu é enigmática e foi elemento de inspiração poética de Oscar Wilde em Salomé e da obra de Caravaggio (quadro acima), dentre outras manifestações artísticas.  Mas há algo a mais neste homem. Há algo que ainda precisa ser dito e falado. Há algo que, pela imagem do pintor italiano, esteja preso à sua b...

Poema

Hei-de ser breve, pois palavras não esperam São como linhas que parecem sempre escrever-se São como dores que parecem sempre volver Mesmo quando quem as sente apenas finge Vou ser claro, pois de profundos só os versos Eles sabem compor cores vivas e tristezas Mesmo sem deixar o sol nascer Sem deixar a expressão cair em desuso Calmo, eu acaricio o mar de minhas paragens Quero o azul que há no céu quando não o olho A estrela que que brilha, viva ou morta, lá no vazio Que está entre meu perceber que não estou só quando só Sou um pátio de um paço de memórias curvas De dobras românicas, barrocas, silentes Uma ameia decaída, frágil, um verso envolvente Que canta ao mesmo tempo que chora o que é E se alguém perguntar em que rua eu moro Moro no poema, moro em qualquer linha, estrofe Junto à praça do desconsolo, bem à beira da morte Entre ela e eu ainda há muita poesia Eustáquio Silva Porto, 16 de Abril de 2018.

A Minha Paixão pelo F.C. do Porto

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A seguir a máxima de Max Weber:  é muito difícil racionalizar - dar sentido - a uma paixão, a uma acção movida pelo afecto. É bem isto que sinto quando o assunto, quando a questão é o Futebol Clube do Porto.  Sou um adepto neófito. Mas a paixão é como se viesse de meu berço e fosse uma das primeiras palavras que disse após dizer "mamã" ou coisa que o valha. O reflexo disto é uma emoção, praticamente irracional que sinto quando vejo estas cores - azul e branco - adentrarem ao relvado, à quadra, às pistas, aonde quer que vá. Sou um portista inveterado e incorrigível. E isto é-me um motivo de muito orgulho e de muita vaidade. São poucas as coisas que um homem pode, com razão, sentir orgulho na vida, e o FC do Porto é uma delas.  Lembro-me das vitórias incríveis - das que vi e das que nem vi -, dos empates não tão saborosos e das derrotas doídas, mas que aumentam-me amor pela equipa da cidade que adoptei como minha paixão que é o Porto. Faz parte de meu imaginário,...

Como eu vejo a História e a Sociologia (esboço)

Nomeadamente a História e a Sociologia são das mais altas expressões da humanidade em matéria de conhecimento. A primeira é a forma primordial de registo e crítica da própria memória, factos e fontes de nossa vida e da vida de nossos pares. Não há como viver sem que se conte uma história. Seja uma biografia ou seja um momento mais técnico, todas as ciências são trespassadas pela história naquilo que ela tem de melhor: narrar, contar e registar passos dados em tempos remotos ou em momentos bem mais contemporâneos. A história de Da Vinci, a história da Áustria ou a trágica história do holocausto judeu pelas mãos dos nazistas, durante a segunda guerra, são elementos da história e a ela pertencem enquanto discurso.  Lamento profundamente que a História tenha-se tornado, em alguns sítios, um remendo da ideologia dominante ou com pretensões de fazê-lo. Cabe bem a estes pseudo formadores de narrativa a pecha de uma ciência deformada e pouco inspirada com conceitos pré-definidos e com...

Eliot e meus versos

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T. S. Eliot (1888-1965). Se calhar muitos mal conheçam este nome ao ouvi-lo ou nem saibam quem tenha sido.  Mas este senhor estadunidense de nascimento e britânico por vontade reinventou em mim o sentido de poesia. Antes um inveterado amante das formas, criador romântico, embora de pouco talento, como ainda costumo achar-me, mas tinha os meus textos como um pedaço de carne ferida a latejar dor e versos a todo tempo.  Buscava em um conhecimento filológico, um elixir para que pudesse dizer cada vez mais aquilo que importava na dor, na sensação poética de costume. Com Eliot as coisas mudaram pouco quanto ao anseio, a ascese poética que me deixava sempre em condições de ir ao lado escuro da rua, das palavras, da vida. Mas agora ponderado e mais cadenciado, eu bebi nos versos claros, rectilíneos e constantes que passam mais o desamparo e o pessimismo que a dor latejante e vivida no momento. Eliot ajuda-me a dizer com toda a força e com suavidade aquilo que outrora diria ...

A minha música é a minha solidão

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A minha música é a minha solidão de canta a cada verso só. Todo poeta escreve tanto a dor por tanta dor brotar da solidão de ver o que ninguém pode ver. O mundo é bem maior dentro dessas folhas de outono, linhas em branco, insanidade, música do inferno que todo poeta insiste em contar.  Conta todas as dores de um momento de eternidade. Sabe que desilusão é tudo soube guardar. Foi a morrer que viveu todo o tempo a amar a inspiração que um cadáver poder ter. Nova cisma entre razão e sentir. Toda dor de um verso não poderia conter num conceito universal. A ideia da poesia não está no mundo maior. Ela paira pelo rio Léthes sendo reminiscência de poucos que conseguem mergulhar no desespero e emergir só.  A música de minha solidão combina com queda livre de poder voar até o abismo. Viver cada contorno de um quadro tépido de melancolia. Viver é um verso. infinitivo como sofrer como quem morre, como quem sempre estará a se perder entre os lenços ensopados em sangue de um co...

Portugal, Camões e o Mar

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É desde cedo que Portugal segue a sua verdadeira vocação. Um pequenino reino, escondido pelos reinos conflituosos da actual Espanha (Leão, Castela, Aragão e Navarra), com pouca e mal distribuída gente, vítimas da peste e de guerras mal sucedidas, que nasceu o impulso para o que lhe cerca a oeste: o mar.  Pode-se dizer que por não poder crescer para a terra, pois ainda tínhamos à altura os Mouros a rondar o sul algarvio, Portugal voltou-se para o mar e do mar para ver o mundo. Vasco da Gama foi sem dúvidas o mais destacado homem dos navios e naus portugueses. Todavia alguns esquecem que antes do nobre governador das Índias ter seu nome alçado a "herói do mar", o "nobre povo" português viu levantar-se um homem cujo mérito é ser simplesmente o sonhador, O navegador, o principal patrono da navegação portuguesa e suposto mentor da mítica Escola de Sagres, eis aí o portuense Infante D. Henrique, aquele que Camões cantou em seu poema épico Os Lusíadas. Aquele que fo...